Assim como muitos lugares que visitei, Suazilândia (atualmente conhecida como Essuatini) não estava nos meus planos de conhecer. Não por falta de interesse, mas simplesmente porque nunca havia lido nada sobre o pequeno país sem litoral, localizado no sul da África.
O país é um reino comandado por uma monarquia que detém o poder há mais de um século. Ex-colônia britânica, conquistou a independência na década de 60. Como diversos outros países africanos, luta para combater a pobreza e a falta de acesso a serviços básicos. Suazilândia tem uma população de pouco mais de 1 milhão de habitantes e, infelizmente, possui a maior taxa de HIV do continente e do mundo, com quase 30% de soropositivos, ou seja, para cada 10 pessoas, 3 estão contaminadas pelo vírus.
Durante minha jornada pela África do Sul, cruzei o país como forma de abreviar o caminho até o oceano Índico, em vez de contorná-lo, o que me tomaria muito tempo. Embora tenha desfrutado do país e aproveitado a gentileza de sua população, minha estadia foi demasiadamente curta. Com meu visto expirando em Moçambique (se você ainda não leu esse relato, sugiro verificar antes de continuar aqui), tive duas opções viáveis: seguir diretamente para a África do Sul por caminhos que já conhecia, ou aproveitar o posto fronteiriço com a Suazilândia e explorar um pouco mais do país que havia chamado minha atenção em minha última visita.
Cruzei a fronteira no dia em que meu visto expirava em Moçambique e utilizei a fronteira de Namaacha, através da N2. Meu objetivo era conhecer o cobiçado Hlane National Park, famoso pelo sucesso na preservação dos rinocerontes. Apenas para dar um contexto, diversos animais no continente estão ameaçados por diversas razões, como crescimento demográfico, mudanças climáticas e principalmente a caça ilegal. Dois animais específicos têm sofrido demasiadamente pela última razão citada: elefantes e rinocerontes.
Em relação aos rinocerontes especificamente, a caça ilegal tem sido fomentada por falsas crenças asiáticas que utilizam receitas que têm como base o chifre do animal.
Há altas demandas oriundas de países como Vietnam e China. Hoje, infelizmente, há menos de 6000 animais (rinocerontes negros) em todo o continente e a proteção e preservação têm desafiado todos os especialistas. Estima-se, por exemplo, que no Kruger National Park (um dos maiores parques nacionais do continente), localizado na África do Sul, um animal é abatido diariamente.
Conforme o preço virou um commodity - quanto menor o número de animais (e mais escasso ele se torna), maior é o preço cobrado pelos traficantes, e mais pessoas se arriscam à caça ilegal, motivadas pelo dinheiro -, tornou-se um desafio imenso combater este ato ilícito e destrutivo.
Voltando à minha experiência, minha motivação em conhecer o Hlane National Park era justamente a possibilidade de admirar esses belos animais enquanto ainda é possível. A estrada de Moçambique até a fronteira, que ainda não estava finalizada, foi bastante desafiadora, e mais uma vez, eu estava grato pela escolha da motocicleta que fiz (leve, com boa suspensão e econômica).
Cheguei ao parque já no final da tarde e decidi acampar para sair, na manhã seguinte, com um guia em busca dos rinocerontes.
Contrastando com o clima muito agradável que experimentei em Moçambique, Suazilândia já estava enfrentando baixas temperaturas com a aproximação do inverno.
Às 6 da manhã, já estava na recepção aguardando pelo guia que seria responsável por me conduzir pela savana. Saímos em um Toyota próprio para safari e iniciamos o tour pelo parque ao nascer do sol. O guia, com muita experiência e conhecimento, logo conseguiu rastrear pegadas dos animais e seguimos em direção ao encontro.
O interessante dessa experiência é a possibilidade de sair do carro e fazer uma caminhada a pé, proporcionando uma experiência bastante diferente para aqueles que estão acostumados com safaris de carro pelo continente. Em poucos minutos, avistamos uma mãe com sua cria se alimentando próximo a árvores.
Eram rinocerontes-brancos, que geralmente são mais sociáveis que os rinocerontes-negros, pois estes preferem viver em solidão, em vez de em grupos. Rinocerontes são animais que possuem alta sensibilidade para identificar perigo, apesar da má visão que possuem. Nos escondemos atrás de arbustos e ali tive um momento mágico com ambos os animais passando a poucos metros de distância. É indescritível a sensação de estar na presença de seres que habitam este planeta há mais de 30 milhões de anos, mas que, infelizmente, têm sua existência ameaçada pelas futilidades do homo sapiens.
Sem qualquer prepotência, já estou acostumado a fazer safaris em busca do encontro com os animais do reino, e apesar de ter tido diversas experiências, até aquele momento, não havia estado tão próximo de um rinoceronte como estava naquele momento.
O sucesso da Suazilândia na preservação dos animais se deve às rigorosas leis impostas pelo reino. Durante a guerra civil de Moçambique, a Suazilândia teve mais de 80% dos animais aniquilados em suas terras. Com a preocupação da preservação, o reino decidiu resgatar os animais que sobreviveram e colocá-los em áreas preservadas e protegidas, como o Hlane.
Espera-se uma vida atrás das grades caso alguém seja encontrado caçando ou transportando o chifre de rinoceronte.
Segui minha viagem com destino a Lobamba, próximo à capital Mebabane. Nessa região, também parte dos parques nacionais administrados pelo reino, há o santuário de Mlilwane.
Na ausência dos BIG5 (leão, leopardo, elefante, rinoceronte e búfalo), além de outros predadores, é possível caminhar sozinho em busca de animais como zebras, impalas, gnus, kudus e outros.
Fiquei hospedado dentro do santuário e fazia caminhadas diariamente em companhia dos animais.
A experiência no Hlane havia sido tão especial que resolvi retornar para tentar um bush walk (caminhada na savana, sem a utilização de veículo), para mais uma vez ficar na presença dos rinocerontes. Como a Suazilândia é um país pequeno, as distâncias que precisava percorrer eram pequenas e, portanto, possíveis de serem efetuadas sem grandes desafios.
Fui apresentado ao guia Bull, um local completamente apaixonado por seu ofício. Iniciamos a caminhada às 3 da tarde e, desta vez, encontramos um grande grupo de rinocerontes compartilhando o tempo juntos.
Permanecemos por longos minutos na presença dessas belas criaturas, simplesmente admirando-as. Para mim, o tour já estava completo, mas no caminho tivemos outro belo encontro com girafas. Elas são animais tímidos, o que dificulta bastante a aproximação. A evolução as tornou animais bastante precavidos e, ao sentir qualquer ameaça, correm e disparam pela savana.
Bull nos conduziu pela mata e, com sorte, conseguimos nos aproximar.
Deitamos no chão e permanecemos em silêncio, na esperança de demonstrar às girafas que não éramos ameaças. Incrivelmente, elas não correram, mas permaneceram curiosas, também nos encarando.
Ali tivemos outro momento mágico na presença de um dos animais mais elegantes do reino. Voltamos ao ponto de início caminhando pelas luzes douradas do pôr do sol.
Quem acompanhou o relato de Moçambique sabe que minha saúde não se encontrava nas melhores condições, razão da abreviação da minha viagem pelo continente. Permaneci os dias restantes tentando me recuperar em Lobamba antes de encarar o longo trajeto de retorno até Joanesburgo.
Quando sabemos que determinado ciclo está se encerrando, ganhamos a incrível capacidade de apreciação de cada segundo restante.
Sou apaixonado pela África e ter a consciência da transitoriedade da minha jornada tornou minha experiência ainda mais intensa. Suazilândia (Essuatíni) me surpreendeu em cada minuto que estive no país. É, sim, um país pequeno, mas está cheio de atividades que podem consumir longas semanas.
Boas aventuras!
Gabriel Turano
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