Celebro 800 dias de viagem na construção deste texto e chego, recentemente, do quarto país mais populoso do mundo: a Indonésia. Com uma população de mais de 270 milhões de pessoas, o país enfrenta toda a ebulição causada pela complexidade dos desafios socioeconômicos e, principalmente, ambientais. A Indonésia é um arquipélago formado por mais de 17 mil ilhas. Isso mesmo, mais de 17 mil ilhas espalhadas por três oceanos (Índico, Pacífico e Mar de Java).
A capital do país, localizada na Ilha de Java, Jacarta, é a maior cidade do Sudeste Asiático, com uma população acima de 10 milhões. São, de fato, muitos superlativos para um mesmo país, embora eles não denotem necessariamente predicados
Imagine agora o desafio de administrar e fornecer serviços básicos a um país super populoso, com toda a complexidade logística. Para intensificar ainda mais essa situação, embora seja o país com o maior número de muçulmanos do planeta, há outras religiões, dependendo da ilha em questão. Bali, por exemplo, é majoritariamente hindu. Já a ilha de Java é predominantemente muçulmana, enquanto na ilha de Sumatra encontramos um islã um pouco mais sectário.
Ainda que o país possua milhares de ilhas, poucos são os lugares que concentram o turismo. Desembarquei em Bali, a ilha mundialmente reconhecida e sinônimo de espiritualidade, cultura e religião. Infelizmente, não foi este o lugar que encontrei.
Com um trânsito extremamente caótico, devido ao número excessivo de scooters, carros, ônibus e caminhões que transitam por um território limitado — haja vista que Bali é uma ilha — percorrer poucas dezenas de quilômetros requer horas e horas entre buzinas, poluição e muito caos.
Indubitavelmente, isso não elimina as paisagens cênicas da ilha, amplamente conhecidas. No entanto, Bali é um estudo de caso interessante sobre como o turismo é um mecanismo dicotômico entre expansão econômica, desenvolvimento das comunidades locais e destruição da natureza, erosão cultural e corrompimento de uma sociedade que, embora almeje e mereça o progresso, é envenenada por todos os deletérios que este carrega.
Caminhar em Ubud, um dos principais destinos da ilha e que foi retratado nas lentes do filme "Comer, Rezar e Amar", é ter a impressão de estar em alguma rua de uma cidade europeia, com todas as marcas internacionais como Polo Ralph Lauren, Giordano, Starbucks, Deus ex machina, grifes de surf, entre outras. Os pedestres? Quase todos turistas oriundos da Austrália, Estados Unidos, países da Europa e asiáticos. As paisagens cênicas, ruas tranquilas e bicicletas em campos de arroz ficaram somente nas imagens do filme.
Para se ter uma ideia, a ilha de Bali recebe anualmente mais de 12 milhões de turistas. Durante o verão europeu, é possível que haja mais de 20 mil pessoas desembarcando em único dia em busca das fotos e vídeos instagrâmaveis que a ilha oferece.
Lugares que ficaram famosos nas mídias sociais possuem filas, muitas vezes quilométricas, para ter a oportunidade de ter uma foto ou vídeo igual àquela vista nos canais dos "influencers" desta era digital em que vivemos.
Há um preço caro que a ilha paga por todo esse progresso que o turismo trouxe. As praias estão abarrotadas de plástico, borracha, materiais de construção, pares de sapato e tudo que a sociedade pós-revolução industrial produz. O desflorestamento segue a todo vapor para dar lugar a grandes construções como resorts, estacionamentos, prédios comerciais, restaurantes e toda a estrutura que o turismo enseja.
A cultura do "as long as you pay" tem se tornado uma prática comum. Quer visitar a praia? Há uma taxa de entrada. Quer estacionar a scooter? É preciso pagar. Quer escolher um lugar na areia para sentar? É necessário alugar um guarda-sol se não quiser ficar próximo ao lixo, pois os lugares "premium" já estão ocupados com mesas, cadeiras e guarda-sóis dos restaurantes locais.
Em Nusa Penida, uma ilha próxima a Bali, filas e filas de jipes se formam nas ruas rudimentares. Dentro estão turistas, em especial asiáticos, que contratam motoristas esperando que eles os levem aos pontos mais "instagramáveis". Cheguei a ver guias turísticos subindo em árvores para garantir as melhores fotos de seus clientes.
Cansado e esgotado de todo esse artificialismo, segui para a ilha de Java, a ilha mais populosa do país e muito menos explorada por esses viajantes. De fato, encontrei um local mais local, com o perdão da redundância. Java abriga os vulcões mais ativos e conhecidos da Indonésia, e visitá-los foi, de fato, muito interessante. Também pude apreciar mais a cultura local e sentir a gentileza de um dos povos mais doces que conheci ao longo da minha jornada.
Quanto mais ao oeste seguia, menos turistas encontrava. Infelizmente, também como efeito da superpopulação, pouquíssima ou nenhuma sustentabilidade encontrei. Ao visitar Bromo, um dos principais vulcões do país, rodei por um cenário apocalíptico comumente retratado em filmes.
O parque nacional havia sido recentemente aberto ao público porque, nos dias que antecederam minha chegada, um casal havia incendiado o parque ao soltar fogos de artifício para celebrar o casamento, enquanto faziam imagens para o TikTok. Isso mesmo, soltaram fogos dentro de um parque nacional para o TikTok.
Essa atitude resultou na destruição do parque nacional, além de toda a vida animal que foi perdida, para que o casal tivesse boas fotos e vídeos para compartilhar. A estupidez humana não tem limites, e a falta de empatia se tornou uma epidemia em muitos lugares.
Jakarta está literalmente afundando, e o governo possui um plano bilionário para transferir a capital para Borneo (o que implicará em outro desflorestamento em uma das poucas regiões preservadas do país). A razão é também o crescimento populacional desenfreado e insustentável. Com recursos hídricos limitados para abastecer a cidade mais populosa da região, tem-se cada vez mais perfurado o subsolo em busca de água doce e, como resultado, cria-se um vazio subterrâneo, afundando o solo.
Outro motivo é o peso das construções para atender ao crescimento populacional. Edifícios e infraestruturas pesadas contribuem para o afundamento, especialmente em áreas construídas sobre camadas de solo que são suscetíveis à subsidência.
Todos esses deletérios de forma alguma anulam os predicados que o país carrega. A Indonésia é plural, diversa. Ainda existem áreas preservadas e singulares, como o Parque Nacional de Komodo, selvas que abrigam os quase extintos orangotangos, os belos rios e praias das diversas ilhas, uma gastronomia rica e centenária, e uma população amigável, curiosa e doce.
A Indonésia é apenas mais um exemplo entre tantos outros países com os mesmos desafios que visitei. Muitos turistas não têm consciência de seus atos e fomentam práticas insustentáveis, assim como o turismo exploratório. No Camboja, estrangeiros oriundos de países ricos, alimentam a indústria da prostituição infantil. Na África, asiáticos em busca das melhores fotos supostamente pagam propinas aos motoristas de carros de safáris para dirigirem "off the track", bloqueando caminhos dos animais. Em um dos mergulhos que tive com tubarão-baleia em Moçambique, um europeu, infringindo todas as regras de boa conduta, encostava no animal enquanto seu amigo o fotografava. Na Tailândia, mergulhadores desavisados pisam em corais que lutam para sobreviver com o aumento da temperatura dos oceanos.
Como, então, tornar o turismo acessível e, ao mesmo tempo, mantê-lo sustentável?
Não existem respostas simples para perguntas complexas. Nas Filipinas, na ilha de Cebu, mais especificamente em Moalboal, fui testemunhar um local famoso pela presença de cardumes de sardinhas. Apaixonado por mergulho e pelo oceano, não hesitei em visitar. Ao chegar ao local, dezenas, talvez centenas de turistas se concentravam em um ponto específico do mar onde as sardinhas se encontravam.
Na luta entre os turistas para alcançar o mesmo ponto, percebi a quantidade de plástico e resíduos deixados pelos visitantes. Inclusive, barcos utilizavam corais para fixar suas âncoras. Os supostos "guias", contratados por diversas agências de turismo e sem treinamento adequado, não lideravam os grupos com informações sobre boas práticas. Suas funções eram meramente de fotógrafos, enquanto seus clientes pisavam nos corais e perturbavam os animais em busca das melhores fotos.
A saúde dos corais era de entristecer. Já afetados pelo aumento da temperatura dos oceanos, aqueles que sobreviveram eram esmagados diariamente pelos turistas. Próximo à praia, tudo se transformou em um grande cemitério. Imagino como esses lugares deveriam ser lindos quando Fernão de Magalhães chegou às Filipinas no século XVI.
Em Oslob, no sul da ilha, desenvolveu-se um turismo focado em experiências com os dóceis e curiosos tubarões-baleia. Recusei-me a visitar após descobrir que todo um ecossistema foi alterado para sustentar a indústria do turismo. Os tubarões, em determinada época do ano, passavam pela região, e os moradores locais, ao perceberem o potencial turístico em torno dessas criaturas, começaram a alimentá-las para incentivar sua permanência. É tão absurdo que hoje existem relatos de turistas que sobem nos animais durante o "tour" com as agências locais.
Os absurdos não acabam por ai. Mergulhando em uma das praias da ilha, me deparei com uma majestosa cobra marinha. Um animal extremamente pacifico, que ao notar minha presença, logo se distanciou para o fundo do oceano. Pude admira-la por poucos segundos até perda-la de vista. No dia seguinte, na mesma praia, encontrei uma cobra semelhante (e acredito que seja a mesma pois não possuem uma população elevada) morta na areia. Provavelmente vitima de crianças ou de adultos locais.
Nós, como turistas, temos responsabilidades por nossos atos. Pesquisar, conhecer e analisar programas turísticos é imperativo para tornar o turismo mais sustentável. Corruptos e corruptores formam uma simbiose na qual, na ausência de um, o outro simplesmente não existe. Os tubarões-baleia são explorados desta forma apenas porque existem turistas que pagam por essa desastrosa experiência. Da mesma forma, este mercado exploratório existe porque agências, nada éticas, decidiram alimentar os animais. O mesmo se aplica aos passeios com golfinhos em cativeiro, orcas, e assim por diante.
Responder, portanto, à pergunta aludida acima é desafiador. Continuo acreditando, assim como nos problemas sociais, que a educação é um item "sine qua non" para avançarmos como sociedade. É preciso ir além. Comunidades locais têm um papel fundamental na preservação do ecossistema. Hoje, lugares como Indonésia, Filipinas e tantos outros são explorados diariamente sem qualquer preocupação com o futuro. Ironicamente comunidades inteiras dependem do turismo e, através dessa renda, sustentam suas famílias, educam seus filhos e progridem na vida. Sem a existência deste meio, nada disso seria possível. Portanto, é preciso educar as comunidades e, através delas, visar a sustentabilidade baseada em práticas de boa conduta.
Viajar ainda é um privilégio de poucas nacionalidades. Poucos anos atrás, o turismo era um mercado dominado basicamente por americanos e por alguns países da Europa. Essa dinâmica tem se alterado (e ainda bem!), e hoje é muito comum notar uma presença mais significativa de asiáticos, como chineses, japoneses, sul-coreanos e tailandeses. Viajar é expandir os horizontes, desconstruir e aprender, mas é preciso que seja feito da forma correta. Não é incomum observar agências de turismo especializadas nesse público. Infelizmente, a Ásia não é um exemplo de sucesso em relação à sustentabilidade, preservação e educação ambiental. Portanto, vejo com muita preocupação a expansão do turismo entre os asiáticos em busca de experiências pouco ou quase nada sustentáveis.
Somente temos a capacidade de endereçar os problemas que reconhecemos como existentes. Minha relação com o oceano mudou completamente após me formar como dive master. Talvez para um turista desavisado seja completamente normal andar sobre corais e até veja beleza em um cemitério de corais que, em tempos passados, esteve cheio de vida, com pluralidade de peixes e crustáceos.
Há, no entanto, bons exemplos a serem seguidos. Na África Ocidental e austral, governos de diversos países transformaram áreas de seus territórios em parques nacionais, atraindo turistas do mundo inteiro e contribuindo para o PIB. Na Tanzânia, mais de 30% de seu território foi designado como parques nacionais, e o país possui penas severas contra a caça ilegal.
O reino da Suazilândia, após perder mais de 80% da população de rinocerontes durante a guerra civil de Moçambique, após sua independência de Portugal, decidiu criar áreas de proteção. Hoje, é um dos poucos lugares do continente onde é possível avistar quase garantidamente essas magníficas criaturas. Enquanto escrevo este texto, vejo uma notícia de que a população de rinocerontes, pela primeira vez em mais de uma década, cresceu após sofrer dramáticas baixas como resultado do comércio ilegal de seus chifres para abastecer mercados asiáticos.
Me sinto nostálgico ao pensar em viver em uma época que não experimentei. É inegável o progresso que a tecnologia trouxe, mas tornou-se muito mais desafiador vivenciar experiências autênticas e genuínas. Às vezes, me pego pensando nos viajantes das décadas de 70, 80 e 90. Deve ter sido maravilhoso explorar um mundo sem os impactos das mídias sociais, sem o descaracterização cultural das comunidades e sem a ambição sem limites de lucrar com programas pouco sustentáveis.
Infelizmente, o progresso, crescimento populacional e desenvolvimento cobram um preço caro. Países ricos e desenvolvidos são responsáveis quase que pela totalidade dos gases de efeito estufa que têm causado as mudanças climáticas. O desenvolvimento da Europa se deu através do subdesenvolvimento de outros países, especialmente os africanos. Como é possível dizer aos países que finalmente possuem a chance de saborear o progresso que eles não são elegíveis? Como dizer que não podem melhorar de vida, pois o planeta não suporta mais emissões?
São muitas perguntas que não possuem respostas. Como diz uma das musicas do Dave Starke "How we expect to save the world by leaving all our troubles for the morning?".
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